domingo, 18 de setembro de 2016


Caracterização do atendimento médico em uma Unidade Básica de Saúde - Dados gerais, população geriátrica e uso de benzodiazepínicos
Estêvão Cubas Rolim 1*, Eleni Anacleto 1, Márcia Neves 1, Fernanda Santa 1, Cristina Rolim 1, Vinicius Ximenes 2

Trabalho realizado na Unidade Básica de Saúde do Itapoã 
Unidade Básica de Saúde do Itapoã - Paranoá - Brasília (DF), Brasil. 
1 Secretaria de Saúde - Distrito Federal (SES-DF). estevaocubasr@gmail.com
2 Faculdade de Medicina - Universidade de Brasília

Fonte de financiamento: o trabalho foi financiado pelos autores do artigo.
Conflito de interesses: declararam não haver.

Recebido em: 2016-OUTUBRO (PREVISÃO)
Aprovado em: 2016-DEZEMBRO (PREVISÃO)

RESUMO:
Os objetivos de atendimento na atenção primária são complexos e variados, envolvendo diferentes demandas dentro e fora de consultório. entre  a população geral, merece destaque a população geriátrica, em especial em relação ao perfil de uso de psicotrópicos e benzodiazepínicos. 
Foi analisado o perfil das consultas de atendimento médico para população em geral e geriátrica em uma unidade básica de saúde pela equipe 7, itapoã - região leste - CIDade de Brasília, distrito federal. Trata-se de estudo observacional descritivo exploratório com levantamento de dados retirados de prontuário do período de 01-02-16 a 09-09-16. um total de 2373 atendimentos de 1051 pacientes foi analisado, e um total de 3693 prescrições revistas. Observou-se correlação entre o percentual de idosos na área e consultas para pacientes idosos, com baixos números de prescrição de psicotrópicos e benzodiazepínicos. 
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde Demanda Sinais e Sintomas Farmacologia Geriatria Benzodiazepínicos
ABSTRACT:
Goals of care in primary care are complex and varied, involving different demands in and out of consulting rooms. amongst the population in general, the elderly population deserves highlights, specially in relation to the use of benzodiazepines. The profile of medical visits was analyzed for the general and geriatric population in a primary care unit - team 7, Itapoã - east region - city of Brasilia, Federal District, brazil. this is an observational descriptive exploratory study, with data from patient`s records from  01-02-16 a 09-09-16. a total of 2373 medical visits of 1051 patients was analyzed, and a total of 3693 prescriptions reviewed. It was observed correlation between the percentage of elderly patients living in the area and consulting, with low numbers of prescribed psicotropic drugs and benzodiazepines. 

KEYWORDS Primary care Demand Signs and Symptoms  Pharmacology Geriatrics Benzodiazepines
INTRODUÇÃO

Os objetivos de atendimento de uma equipe de estratégia de saúde da família envolvem demandas complexas e variadas (GUSSO 2012). Estas incluem as de consultório, como acolhimento, triagem, queixas agudas e crônicas, demanda espontânea e agendada, tratamento e prevenção, orientações, resultados de exame, encaminhamentos; e também as de fora da unidade, como busca ativa e visita domiciliar. São realizados ainda procedimentos como troca de curativo, administração de medicação, administração de micronutrientes (vitamina A, programa de suplementação - ministério da saúde), medidas antropométricas em parceria com outros programas (bolsa-família), testes rápidos de DSTs, teste de gravidez, dispensa de medicações e encontro de grupos. 
Neste artigo faremos um recorte do atendimento médico, com enfoque especial na comparação entre população geral e população de idosos.
Os dados de atendimentos deste artigo são de uma unidade básica de saúde - UBS Itapoã - região leste - Distrito Federal. A cobertura de atenção primária na região leste é de 45,7% (GDF 2016), a maior do DF. Vale ressaltar que de acordo com os dados da pesquisa distrital por amostra de domicílio - IPAD 2013-2014 - Itapoã (CODEPLAN-DF 2013-2014), trata-se de uma das regiões de mais baixa renda do DF, oriunda de invasão iniciada no final da década de 90 e população estimada em 2013 de 60.324 habitantes. É destaque que 50,85% dos moradores procuram por serviços de saúde pública na regional, sendo a população com mais de 60 anos corresponde a 6,4% do total, em contraste com o Distrito Federal (12% de idosos) (CODEPLAN-DF 2014). 
Salienta-se ainda que na UBS Itapoã há a divisão do espaço físico por duas equipes (equipes 7 e 8) com população e áreas adstritas distintas, com presença de atendimento odontológico compartilhado para os pacientes das duas equipes. A equipe 7, da qual os dados de atendimento foram compilados, ficou sem atendimento médico por 7 meses, com demanda reprimida parcialmente resolvida com assistência prestada por consultas médicas em outros serviços para casos selecionados. Em 01-fev-2016, foram retomadas as atividades médicas na equipe 7, quando se iniciaram a padronização do registro e a análise de dados de atendimento deste artigo. Foram também retomadas as atividades de preceptoria junto a residência multiprofissional da secretaria de estado de saúde - SES-DF e internato do 12o semestre de graduação em medicina da Universidade de Brasília - UNB-HUB).
As  dificuldades da regional contribuem para os quadros de sofrimento mental e emocional, ainda mais preocupantes devido a dificuldade de acesso a rede de saúde em geral no DF, em especial a rede de saúde mental, com uma das piores taxas de cobertura do país por centros de atenção psico-social - CAPS (BRASIL MS 2011).
O uso prolongado de benzodiazepínicos traz riscos de dependência, abuso, sedação prolongada, confusão, prejuízo do equilíbrio e quedas (GALLAGHER 2007). Esses riscos são especialmente importantes na população idosa (PASSARELLI 2006).
Benzodiazepínicos são psicotrópicos com papel em transtornos de ansiedade e tratamento adjuvante em outros transtornos psiquiátricos, além de possível profilático para convulsões (GUSSO 2012). De acordo com o projeto diretrizes, coordenado pela associação médica brasileira (NASTASY 2008), o histórico de amplo uso inicial na década de 70 veio seguido da preocupação de uso nocivo e risco de dependência. Os desafios atuais na prática médica incluem a prescrição de modo indiscriminado por médicos de diferentes especialidades focais, com estimativas de 50 milhões de usuários diários no mundo, em sua maioria mulheres acima de 50 anos com comorbidades psiquiátricas, representando até 50% das prescrições de psicotrópicos, sendo ofertados em até 10% das consultas médicas para adultos por ano.



MÉTODOS

Este trabalho analisou o perfil das consultas de atendimento médico para população em geral e geriátrica, e em especial o perfil de utilização de benzodiazepínicos pelos idosos em uma unidade básica de saúde pela equipe 7, Itapoã - região leste - CIDade de Brasília, Distrito Federal. 
Trata-se de estudo observacional descritivo exploratório com levantamento de dados retirados de prontuário do período de 01-02-16 a 09-09-16. Foi feito o levantamento dos atendimentos de todos os pacientes com descrição da distribuição das comorbidades.
Para o grupo dos idosos foram descritos os dados de atendimento de pacientes com 60 anos ou mais no ano de 2016, sendo descritos média de idade, distribuição por sexo, número médio de comorbidades, número médio de princípios ativos prescritos, número médio de consultas por paciente, porcentagem de consultas para idosos dentro do total de consultas, total de pacientes com prescrição de benzodiazepínicos e proporção de benzodiazepínicos dentro do total de princípios ativos prescritos. 
Foram incluídas na categoria de comorbidade: doenças crônicas (como diabetes, hipertensão, alcoolismo), doenças agudas (como infecção de vias aéreas, diarreia, doenças sexualmente transmissíveis) e sintomas ainda sem diagnostico final (tontura, humor deprimido, insônia) entre outros. Para o número médio de comorbidades levou-se em consideração a presença de sintoma ou diagnóstico por paciente.


RESULTADOS 
O período de coleta de dados de atendimento médico da equipe 7 foi de 221 dias - de 01-fevereiro-2016 a 09-setembro-2016, compreendendo 7 meses - 31 semanas. O total de atendimentos médicos foi de 2373, incluindo visitas domiciliares (52 pacientes) e pacientes fora de área (644). Foram revistos 343 prontuários, exames e relatórios de pacientes de acompanhamento especial, com elaboração de 131 relatórios de resumo de história patológica pregressa, medicações prescritas, investigação atual e dados gerais (projeto de elaboração de pasta da saúde, com organização dos dados de cada paciente em pasta de posse individual). Um total de 249 períodos de 5 horas de trabalho foi avaliado, sendo desses 200 períodos de atendimento em consultório, com média de 11,61 atendimentos por período. Foram realizadas 52 atendimentos em visitas domiciliares (9 em Setembro, 9 em Agosto, 26 em Julho e 8 em Junho). (Anexo 2)
Do total de atendimentos, 67 foram para população acima de 60 anos, com média de idade de 66,7 anos. Desse total, 40 foram do sexo feminino  (59%) e 27 do sexo masculino (41%). O número médio de comorbidades nessa população foi de 3,4, e o número médio de princípios ativos prescritos foi de 2,8. 6 pacientes tinham prescrição para uso de benzodiazepínicos (diazepam 3, clonazepam 2, não especificado 1), sendo 4 de uso contínuo.
Os grupos de atendimento principais foram: pacientes da área adstrita (826), pacientes fora de área (302, incluindo os de área adstrita da equipe 8), atendimentos vinculados a equipe (340), avaliação de exames e relatórios (343)
Na análise de concentração de atendimentos gerais, 57% dos pacientes foram atendidos 1 única vez, 21% dos pacientes atendidos 2 vezes, 11% dos pacientes 3 vezes e 11% 4 ou mais vezes. É interessante notar que esse perfil de atendimentos é o dos atendimentos médicos - uma grande parcela das demandas que a unidade recebe são resolvidas pela equipe multi-profissional, como grandes curativos, verificação de pressão arterial e glicemia, orientações. 
Na análise de concentração de atendimentos para população acima de 60 anos, 25 pacientes (37,3%) foram atendidos 1 única vez, 20 pacientes (29,8%) atendidos 2 vezes, 8 pacientes (11,9%) 3 vezes e 20,8% 4 ou mais vezes. Os pacientes idosos representaram 6,3% dos pacientes atendidos (67 de 1051 prontuários), com 6,7% consultas (161 de 2373). 
Não foi feita contabilidade ou análise das queixas principais que trouxeram os pacientes a consulta médica. Registramos a prevalência das comorbidades, sendo a de maior prevalência hipertensão arterial sistêmica (34%), seguida de infecção de vias aéreas (15%), diabetes (23%) e sofrimento mental (9%). 
A análise de marcadores de interesse especial teve início em 24-4-16, após 1069 atendimentos. Houve nos registros médicos 199 atendimentos para hipertensão, 93 para diabetes, 24 para DSTS, 67 para álcool, 15 para tabagismo, 8 para diarreia, 142 para doenças respiratórias e 62 para saúde mental.
Foi analisado um total de 3693 prescrições de medicamentos, sendo os mais prescritos relacionados as comorbidades mais prevalentes, em especial infecções de vias aéreas, hipertensão, diabetes, cefaleia e lombalgia. 
Os princípios ativos estão especificados no anexo 1. Vale destacar que 40 princípios ativos responderam por 1842 prescrições (49,8%). desse total, psicotrópicos responderam por 172 prescrições (4,6%), sendo fluoxetina 40, amitriptilina 27, áCIDo valproico 24, zolpidem 23, clonazepam 21, escitalopram 16, diazepam 11 e sertralina 10. O total de psicotrópicos para a população geriátrica foi de diazepam 3 e clonazepam 3. 


DISCUSSÃO

A análise dos dados de atendimento médico da população geral permite noção parcial do volume de serviço numa unidade básica de saúde dentro da estratégia sáude da família. Desse total de atendimentos, a proporção de cuidados para pessoas idosas chama a atenção devido as características próprias desse grupo, em especial em relação ao número de comorbidades e medicações prescritas. 
Levando-se em consideração o perfil já de risco que pacientes geriátricos apresentam, se torna destaque a importância da abordagem de saúde mental e prescrição judiciosa de psicotrópicos, em especial benzodiazepínicos. 
Do total de atendimentos médicos por marcadores de comorbidade, chama atenção a preponderância de hipertensão e diabetes como afecções crônicas mais prevalentes, mas ainda com grande representação dos transtornos e sofrimentos mentais e dos de abuso de sUBStância, em especial do tabaco e álcool. 
Há limitações  em relação a análise de número médio de comorbidades e marcadores de interesse. Não foi usado sistema padronizado de classificação de doenças (como a classificação internacional de doenças - CID ou Classificação Internacional de Atenção Primária - CIAP). O registro de marcador de interesse possibilitou que atendimentos de doentes crônicos para outras intercorrências agudas não sobre-valorizasse o marcador de doença crônica, como no caso de um paciente hipertenso controlado com queixa dermatológica - se não foi abordada hipertensão, não há registro de atendimento para hipertensão apesar de ser um paciente hipertenso. Um outro paciente hipertenso com queixa dermatológica e pressão arterial fora do alvo, por outro lado, entraria no registro de atendimento para hipertensão. Assim, diferenciou-se a presença de comorbidade crônica da abordagem de outras queixas por consulta, independente da queixa principal.
Nota-se ainda que a proporção de pacientes com mais de 60 anos corresponde a proporção de pacientes idosos residentes na área, e que houve equilíbrio no número de pacientes e na concentração de consultas. 
Em relação a análise da prescrição de medicamentos, nota-se que a prescrição de psicotrópicos correspondeu a pequena parcela do total prescrito, com predominância de prescrição de inibidores seletivos da recaptação da serotonina e antidepressivos tricíclicos. Pequena parcela foi de prescrição de benzodiazepínicos, com uso reduzido especialmente na população acima de 60 anos. 
A explicação da diferença de proporção entre atendimentos envolvendo hipertensão e prescrição de anti-hipertensivos deve-se provavelmente ao fato de a receita de uso continuado ter validade de 6 meses, fazendo com que cada entrada na tabela fique em desproporção temporal. O mesmo se aplica para contraceptivos orais e injetáveis (validade de 1 ano da prescrição).
Ressalta-se a expectativa de crescimento expressivo da população acima de 60 anos esperado para as próximas décadas, com aumento dos impactos em saúde que a mudança de proporção acarretará, crescendo a importância da capacitação em cuidado e compreensão das necessidades específicas e particularidades desse grupo de atendimento.

CONCLUSÃO

A compreensão do perfil da demanda em uma unidade básica de saúde é fundamental para estruturação do cuidado continuado, programado e espontâneo, além da coordenação do cuidado e ordenação estrutural do trabalho com vistas a integralidade. 
O registro organizado dos dados de atendimento permite a análise e abordagem de grupos específicos, sendo especialmente importante o foco para grupos prioritários com maior necessidade de cuidados, como no caso da população geriátrica.
Foi observada na população estudada porcentagem similar de uso de benzodiazepínicos na população de idosos em geral. A quantidade de comorbidades e princípios ativos prescritos por paciente idoso permite inferir um maior risco de intercorrências para essa população.
Destaca-se a maior prevalência de pacientes idosos do sexo feminino. 
Como perspectiva para próximos estudos há a necessidade de melhor caracterização da população idosa em uso de benzodiazepínicos e planejamento de acompanhamento especial desse grupo, com abordagem estruturada e individualizada. A questão do acesso e barreiras de acesso também figura como tema relevante de próximos estudos. 

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos especiais a colaboração para discussão de bibliografia e embasamento teórico para ordenação de fluxo de serviço nas reuniões em conjunto com o grupo de publicação da unidade básica de saúde - equipe 7 - em especial a agente comunitária de saúde márcia neves ferreira, a gerência das equipes 7 e 8 e a gerente de enfermagem Fernanda Santana, aos residentes do programa multiprofissional da SES-DF (Anderson nobre e Marília Godinho), e aos alunos do internato em medicina social da Universidade de Brasília. Agradecemos ainda a colaboração com revisão de manuscrito e discussão de ideias da mestranda em educação-UNB Carolina Pontes Silva e dos colegas Dra. Cristina Lúcia R. C. Rolim (SES-DF) e Dr. Igor Castro - (Residente em Cirugia Geral - FM-USP).REFERÊNCIAS: 
  1. GUSSO 2012, Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática / Organizadores, Gustavo Gusso, José Mauro Ceratti Lopes.
  2. GDF 2016 - Brasília saudável - fortalecimento da atenção primária a saúde no Distrito Federal, http://www.coren-df.gov.br/site/wp-content/uploads/2016/06/BRASILIA_SAUDAVEL_DOCUMENTO_REFERENCIAL.pdf, Consulta em 11-09-2016.
  3. CODEPLAN-DF 2013-2014 PESQUISA DISTRITAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS - ITAPOÃ - PDAD 2013/2014, http://www.codeplan.df.gov.br/images/CODEPLAN/PDF/pesquisa_socioeconomica/pdad/2013/PDAD%20Itapoã%202013-14.pdf, Consulta em 11-09-2016.
  4. CODEPLAN-DF 2014 - Itapoã tem evolução na renda e relativa autonomia nas atividades comerciais, http://www.codeplan.df.gov.br/noticias/noticias/item/3013-itapoã-tem-evolução-na-renda-e-relativa-autonomia-nas-atividades-comerciais.html, ACESSADO EM 11-09-2016. 
  5. BRASIL MS Saúde Mental em Dados 8, http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/saude_mental_dados_v8.pdf, Consulta em 11-09-2016
  6. Gallagher 2007, STOPP (Screening Tool of Older Person’s Prescriptions) and START (Screening Tool to Alert doctors to Right Treatment). Consensus validation, International Journal of Clinical Pharmacology and Therapeutics, Vol. 46 – No. 2/2008 (72-83) 
  7. PASSARELLI 2006 medicamentos inapropriados para idosos: um grave problema de saúde pública, boletim informativo de farmacovigilância
  8. NASTASY 2008, Projeto diretrizes, dependência e abuso de benzodiazepínicos, associação médica brasileira  - Sociedade Brasileira de Psiquiatria - Conselho Federal de Medicina  










ANEXOS
ANEXO 1 - TABELA DE MEDICAMENTOS JÁ PRESCRITOS
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ANEXO 2 - DADOS DE ATENDIMENTO NO SERVÇO 

































































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